Review: Final Fantasy VII Remake (PS4)


Final Fantasy VII é um destes jogos especiais. Representando uma ruptura drástica das limitações do NES e do SNES, o título enfrentou vários desafios durante a produção mas acabou revolucionando como RPGs e jogos em geral são produzidos, proporcionando uma experiência cinematográfica jamais vista em um console. Tomb Raider, Resident Evil e Super Mario 64 foram lançados no ano anterior e, na época, produtores estavam explorando as possibilidades de um ambiente em 3D quando a Square demonstrou suas habilidades ao combinar CGIs e uma história elaborada que ocupava 3 discos na época, um dos games mais ambiciosos já lançados até então. 

A maioria dos games do gênero eram em ambientes medieval ou steampunk, com raras exceções, e os produtores ousaram em criar um mundo beirando o cyberpunk, mas com elementos familiares aplicados em um contexto diferente: ao invés de um império, uma corporação capitalista predatória; ao invés de magia e deuses, uma mensagem de como o ser humano destrói o próprio mundo sem pensar nas consequências e os problemas que as gerações futuras terão que lidar. Não há princesas para serem salvas, ou dragões para serem derrotados, apenas sombras do passado que são desrespeitados frequentemente em nome do progresso, enquanto a ambição e o desespero se alastram como uma praga, representados pela Shinra e por uma calamidade que veio dos céus.




Décadas depois, tudo mudou. As pessoas esperam coisas diferentes de um JRPG e o próprio mundo mudou radicalmente, enquanto os fãs continuavam a pedir um remake de FF7 -- algo que, com o passar dos anos, se tornava um desafio ainda maior. O jogo original sempre foi muito vasto e ambicioso, além de originar vários outros títulos e influenciar a cultura popular de maneiras jamais previstas. É um jogo que revolucionou uma indústria inteira e que continua a inspirar produtores. Um remake seria arriscado, e sem a história e as ferramentas corretas seria um investimento perigoso para a empresa. Com as lições aprendidas durante a produção de Final Fantasy XIII e Final Fantasy XV, a Square Enix finalmente decidiu que era o momento de tornar este remake uma realidade.

Entretanto, vários aspectos do jogo original precisavam ser reconsiderados. O mundo de FF7 é muito amplo, com uma população esparsa que faz parte da história: para a Shinra, o planeta inteiro representa um potencial para exploração, mais negócios e expansões. Quando o jogo começa, o jogador se vê neste microcosmo que é Midgar, um ambiente complexo e intrigante, mas que representa apenas uma pequena fração do mundo. Um momento tão denso em história e caracterização que os produtores decidiram concentrar o remake apenas nos eventos ocorridos na cidade, com uma possível continuação depois que o grupo escapa de Midgar. A princípio, muitos fãs ficaram preocupados com esta decisão: esta área representa menos de um terço do original. Será que o título teria elementos apenas para inflar o tempo de jogo? Será que os elementos “expandidos” do original valeriam a pena? Depois de anos de expectativa, finalmente temos a resposta.


Final Fantasy VII Remake começa familiar: Cloud Strife, um ex-SOLDIER da Shin-ra que se tornou um mercenário, foi contratado pelo grupo terrorista chamado Avalanche para lutar contra a opressão da Shin-ra. Neste mundo, democracia é uma ilusão: até mesmo o prefeito da maior cidade é apenas um fantoche desta megacorporação. Durante o desenrolar da trama, Cloud ajuda o jogador a descobrir a corrupção da cidade, a luta de Barret Wallace e seus companheiros, e fragmentos de seu próprio passado.
Um dos pontos positivos deste game é explorar e deixar ainda mais claro elementos um pouco obtusos do título original que causaram discussões e análises por muito tempo, como o papel dos homens de capa preta, personagens misteriosos com tatuagens nos braços e visivelmente doentes. Qual é a ligação deles com Cloud, Sephiroth e os experimentos de Hojo? Também houve a integração de elementos dos spin-offs, como Crisis Core e Before Crisis na história principal: Avalanche não é apenas o grupo do Barret, mas sim vários grupos com vários tamanhos, com níveis variados de extremismo. Novos personagens deixam o mundo mais interessante, com cada setor de Midgar tendo sua personalidade própria e suas dinâmicas bem distintas, embora o tema de pobreza e privilégio sendo algo bem marcante. Personagens já existentes também ganharam uma atenção especial, incluindo Biggs, Wedge e Jessie expressando suas motivações e até mesmo arco de história distintos. Também há novos momentos focados em outros personagens que foram apenas citados no original, como Aerith salvando Marlene, e segmentos completamente inéditos. A história foi expandida, mas seguindo os elementos do original a risca, com técnicas modernas aplicadas de maneira mais eficiente.


Há alguns pontos bem controversos: um deles é que vários flashbacks que deveriam acontecer em outros momentos estão presentes no game. Enquanto alguns foram bem integrados e os existentes foram mantidos, alguns parecem ter sido parte de uma lista “vamos incorporar os momentos/flashbacks mais marcantes do original” para deixar os fãs felizes. O flashback de Kalm Town, por exemplo, é um deles, além de um  que acontece no primeiro momento que citam o nome da Tifa. Outro ponto de irritação são os “Whispers”, que são agentes do destino, que servem para manter a história no trajeto original -- algo que é explicado no final do jogo, outro momento que causou uma insatisfação entre fãs.
A verdade é que este título sempre teve um grande desafio, maior do que o escopo do projeto: a sombra do título original. Final Fantasy VII é um título com mais de 20 anos e ainda tem seus fãs fiéis, e comparação seria inevitável. A experiência de jogar o original pela primeira vez é algo especial: uma jornada de descobertas, conhecendo novas cidades e pessoas, aprendendo mais sobre o seu grupo e o mundo, e ser pego de surpresa pelas reviravoltas. Como escapar da pressão da história original e evitar recontar a mesma história? O final deste título quebra os paradigmas mais uma vez e, embora a execução possa deixar a desejar para alguns, talvez seja a melhor solução para este título e para a continuação da história.
De todo o modo, o jogo sempre teve um outro desafio : ser claro para novos jogadores e interessante para os veteranos. Quem conhece o original pode reconhecer momentos ou até mesmo presságios da história que serão revelados mais adiante, e quem não jogou o primeiro game vai ficar intrigado pelo enredo.


O sistema de batalha é uma evolução do Crisis Core e do Type-0, conhecido como ATB-Kai. Os controles respondem bem e é bastante claro que os desenvolvedores tiveram um cuidado extra ao adaptar cada inimigo e aspecto do original, fazendo cada batalha uma experiência diferente. Não é possível executar o comando de pular como em FFXV, mas o personagem controlado irá fazê-lo para tentar alcançar o alvo, e é possível atacar, bloquear e esquivar em tempo real enquanto a barra de ATB enche para habilidades especiais e magia.
Como em Type-0, todos os personagens têm estilos bem diferentes , e Barret tem dois modos dependendo da arma equipada. É muito divertido controlar a Tifa, com ataques velozes e similar a jogos de ação; e a Aerith é focada em longa distância e magias, mas também  tem outras opções ao seu dispor. A troca de personagens é fácil e instantânea, bastando apenas apertar um botão, e é possível dar comandos durante a batalha em qualquer momento. O primeiro chefe ajuda o jogador a se acostumar com isso, com momentos em que a estratégia de quem controlar e como lutar é tão ou mais importantes do que atingir o ponto fraco.
Infelizmente, ou por causa das limitações do sistema ou por causa de falta de tempo, Red XVIII é um personagem convidado que não pode ser controlado: o jogador é incapaz de mudar o equipamento ou materia, curá-lo ou instruir comandos em batalha. Ele é exclusivamente controlado pela inteligência artificial e aparece perto do final do jogo. Talvez Red será jogável na continuação, mas por enquanto ele é apenas um NPC aliado.


Materia é escassa e cara, que faz sentido baseado na história. É importante explorar os ambientes e fazer as missões extras para coletar tudo e melhorar o seu personagem. As armas também receberam uma atenção especial: todas são capazes de receber melhorias e evoluir, oferecendo benefícios que afetam o estilo de jogar. É perfeitamente viável terminar o jogo utilizando as armas iniciais, por exemplo. Há uma atenção maior em manejar os recursos ao invés de andar pelo mapa para coletar dinheiro e encher o inventário com equipamentos e itens que jamais serão usados após o próximo segmento de história. 
Vários sistemas do original estão de volta: as side-quests realizadas com a Aerith ou a Tifa colaboram para as mecânicas de afinidade entre as duas e quem será escolhido em um momento da história, além de mais opções e mini-games. Agora há um jogo de dança e há uma sessão extra com a motocicleta. É um jogo muito mais refinado e livre das limitações técnicas do Playstation, que dá aos desenvolvedores mais liberdade para explorar. O título também conta com um sistema de New Game + e seleção de capítulos após o final, aumentando o estímulo para voltar e explorar novamente.


O jogo é composto com várias localidades incríveis, com várias áreas novas ou subutilizadas expandidas, como o cemitério dos trens e a escalada no final do game. As consequências das bombas é muito mais impactante, e novas facetas de Midgar dão nova vida ao local. Os gráficos são incríveis, marca registrada da Square: cada personagem tem poros e imperfeições da pele, mas o estilo do original está visível em cada momento. Vários momentos são reproduzidos com direito a câmera usada na época, enquanto outros são repaginados de uma maneira mais interessante para os dias de hoje. A trilha sonora é dinâmica, com versões remixadas da versão original adquirindo novos arranjos e camadas, além de novas músicas que combinam bem com o ambiente, sem destoar do trabalho existente. A versão americana conta com atores americanos de seriados como Cody Christian de Pretty Little Liars e Teen Wolf como Cloud, Mat Jones de Breaking Bad como Wedge, e Tyler Hoechlin de Supergirl e Teen Wolf como Sephiroth, além de dubladores veteranos. Há a opção do audio em japonês para os puristas, além das legendas e menus em português brasileiro. Há uma atenção enorme aos detalhes, desde o caos urbano até mesmo aos diálogos durante a batalha, que também serve para demonstrar como os personagens se tornam mais próximos e formam um laço de amizade durante a aventura.


É incrível que este jogo tenha sido lançado, por vários motivos. A relutância da Square, os custos de um projeto como este e a pressão dos fãs sempre foram um desafio para a equipe, independente de quando o título fosse desenvolvido. Como adaptar um jogo que rompe os paradigmas e revolucionou a maneira de como histórias são contadas? O resultado certamente dividiu os “puristas”, mas abre possibilidades para o futuro e novas perguntas. Se trata de um game ambicioso, que consegue respeitar o legado do original ao mesmo tempo que escapa de certas armadilhas. É uma experiência que vale a pena,  a promessa de uma nova jornada repleta de surpresas pela frente.


Postar um comentário

0 Comentários