Review : Gray Matter (PC)


O final dos anos 80 e a decada de 90 foi a era dourada para os jogos de adventure (ou graphic adventure, aventuras gráficas) nos computadores pessoais. Nomes como Ron Gilbert, Tim Schafer e Roberta Williams se tornaram famosos com seus títulos e séries de sucesso. Jane Jessen fazia parte deste grupo seleto, começando sua carreira como assistente da Roberta Williams em King’s Quest e, finalmente com seu próprio titulo de sucesso: Gabriel Knight: Sins of the Fathers.

Porém, o gênero não teve uma transição harmoniosa para o 3D. No final dos anos 90 todos queriam mais 3D, mas ainda era algo muito experimental para os desenvolvedores. Grim Fandango, apesar de ser um titulo que até hoje é considerado um dos melhores do gênero não teve a repercussão que gostariam. Muitos esperavam que Gabriel Knight III salvaria os games de adventure, mas, para muitos, foi considerado o prego no caixão.


Os games adventures não morreram, mas se tornaram algo mais de nicho. A comunidade continuou a existir, principalmente na Europa com pequenos desenvolvedores independentes. Graças a Telltale retomando Sam & Max e Monkey Island, desenvolvedores indie também começaram a ganhar mais exposição. Quando anunciaram o novo game de Jane Jensen a comunidade começou a sonhar alto: seria um Gabriel Knight IV? A resposta é: não exatamente, e isto é ótimo.





A história segue Sam, uma garota que tem o sonho de ser uma ilusionista e têm ambições de fazer parte do Daedalus Club, um grupo secreto e prestigioso de ilusionistas que existe há muitos anos. Porém, sua aventura muda quando uma chuva muito forte a obriga a se abrigar em uma mansão isolada em Oxford e se passar pela assistente contratada pelo recluso neurocientista David Styles. Sobrevivente de um acidente de carro que matou sua esposa anos atrás, o doutor Styles é uma pessoa amarga, rude e que prefere ficar só, difícil de lidar. Porém, depois de anos de silencio ele decidiu conduzir um experimento, e, portanto a necessidade de uma assistente.

 A primeira tarefa de Sam é recrutar um grupo de jovens universitários para participar do tal experimento, e logo as coisas se tornam cada vez mais estranhas com ocorrências no campus nas horas em que os experimentos acontecem: marcas na pista de corrida, piscinas de sangue... Será uma consequência do experimento ou Sam tem um concorrente para entrar no Daedalus Club? Um roteiro intrigante e bem elaborado. É notável a pesquisa que a autora fez ao produzir o roteiro, em uma história coesa e que prende a atenção do jogador: paranormal ou ilusão? O que é real ou não? E, no final, não há pontas soltas.


Os personagens foram bem escritos. Em alguns momentos eles ficam muito perto de estereótipos, como a patricinha esnobe que só quer farra , o americano chato com piadas impróprias, o filhinho da mamãe... Porém, a escrita eficiente de Jensen evita estas armadilhas. O roteiro é sério, mas há piadas e momentos de descontração que nunca parecem forçados ou fora da personagem. Até mesmo o amargo Doutor Styles demonstra algum senso de humor (embora apropriadamente ácido).


Na parte gráfica, o game segue o estilo que se tornou mais comum em adventures comerciais lançados por pequenos estúdios: cenário estático com personagem em 3D, algo visto na série Secret Files, por exemplo. Os lugares são ricos e cheios de detalhes, que enchem os olhos. Os efeitos de iluminação ajudam a dar a impressão que os modelos e os personagens integram o mesmo ambiente, o que é um ponto muito positivo – nada pior do que ficar com a sensação estranha de ‘não combinar’. Porém, algumas animações estão notavelmente ausentes, como portas abrindo e fechando, ou as animações dos truques de mágica da Sam.


Sim, a personagem faz truques de ilusão e isto faz parte da mecânica dela. Em vários momentos ela precisa distrair ou ludibriar alguém, e , com base no livro de truques básicos dela o jogador tem que realizar a própria magia para conseguir o que quer. Não apenas a interface é chata, mas em vários momentos requer que você saia da onde você está, vá até a loja de mágica, compre o acessório que você precisa e depois volte para a localidade. Ainda bem que tem o mapa e com dois cliques o personagem corre e quando se trata de uma mudança de tela é acompanhado com o efeito de fadeout,  mas mesmo assim é uma perda de tempo desnecessária. E como não tem nem uma animação mostrando algum resultado interessante, não é particularmente recompensador. É como se fosse uma desculpa para um mini-puzzle.


Em alguns momentos a história parece ficar um pouco sem rumo, requerendo a iniciativa de explorar e descobrir o que fazer. Felizmente, não há nenhum quebra-cabeça ou solução muito fora da realidade, como usar um pé-de-cabra para tirar um chiquete do chão ou conseguir pelo de gato para fazer um bigode falso : é tudo bastante lógico, que faz sentido dentro do contexto do game.Também há o sistema de pontuação, como nos antigos games da Sierra, que ajudam a ter uma noção do progresso. O mapa também é muito útil : se o nome da localidade estiver em dourado, é por que há alguma coisa de interesse para continuar com a história principal; em branco, significa que ainda há alguns extras; e em cinza significa que não há pontos de interesse e não é necessário voltar para lá.  O único momento que pode ser considerado frustrante é o Daedalus Club. Embora os enigmas propostos sejam razoavelmente fáceis, navegar pela localidade é complicado.


A trilha sonora é composta por Robert Holmes, marido da Jane Jensen por sinal. São musicas discretas e sóbrias, que combinam com o ambiente do game. As músicas cantadas pelo grupo do compositor, Scarlet Furies, não destoam e são muito agradáveis. A trilha tema do Dr Styles, em particular, é melancólica e cativante.


Gray Matter não é um Gabriel Knight e nem tenta ser. A qualidade do roteiro e o ‘pedigree’ se faz notar, mas se trata de um titulo novo e sem pretensões de fingir ser algo que não é. Em alguns momentos é visível que os desenvolvedores não tiveram a verba que gostariam para dar um melhor polimento no produto, mas por outro lado o jogo é cheio de estilo com personagens bem humanos. É um titulo que todo fã do gênero deve experimentar.



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